A presença das mulheres na advocacia tem crescido significativamente nos últimos anos, com elas se tornando a maioria entre os profissionais do direito. No entanto, é necessário questionar se essa maioria se reflete em igualdade de condições. A advogada Sílvia Correia é Vice-Diretora da OAB/RJ no âmbito da mulher e Procuradora Geral do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro e é uma autoridade nesse assunto.
1 -Hoje as mulheres são maioria entre os profissionais. Mas essa maioria se reflete em igualdade de condições?
Dra. Silvia – Em termos de igualdade, o que é mais urgente, na minha opinião, mais do que uma paridade quantitativa, é ter uma paridade qualitativa. Precisamos ter um movimento de reconhecer mulheres capacitadas para ocupar lugares e não exilá-las ou segregá-las. E isso é um desafio muito grande. Na prática, nós precisamos, na verdade, incentivar políticas públicas de incentivo a permitir mulheres com formação e aptidão terem amplo acesso ao STF, ao STJ, aos conselhos de empresa, às diretorias das empresas. Então é isso que precisamos: ter uma representação feminina de qualidade.
2- Direitos, como o período gestacional, são conquistas recentes. A lei Júlia Matos é de 2016. Na sua opinião, o que é mais urgente para acelerar os direitos da mulher advogada?
Dra. Silvia: Falarmos de paridade já é um avanço, mas o que está faltando ainda é que as próprias mulheres entendam melhor essa paridade, para não caírem em um engodo de uma paridade fake. O que quer dizer isso? Não é uma questão quantitativa. Veja bem, podemos ver uma empresa, um conselho e colocar numa associação metade das pessoas do sexo feminino. À primeira vista, fica parecendo que isso é uma paridade assegurada. Mas não é sobre isso e sim se essas mulheres estão no lugar exercendo e ampliando suas capacidades efetivas. Essa é a primeira pergunta. E só cabe a elas fazerem essa análise. Geralmente, as mulheres não questionam: “eu estou no lugar certo para atuar com autonomia?”; “eu preciso preencher esse lugar?”; “eu estou aqui por minha própria escolha e objetivo?” E pode ser que, necessariamente, aquele lugar não seja o lugar que aquela mulher deva estar para permitir seu progresso e realização.
Ou seja, a mulher precisa se perguntar e entender qual o papel dela. Se está ali aparentando uma paridade, ou se, na verdade, está sendo usada como um longa manus, principalmente de homens, para estar ali valendo do seu sexo feminino, mas repetindo e, até mesmo atuando, como se fosse uma representante ou preposta de interesses estranhos aos seus, ou seja, sem qualquer autonomia representativa das suas necessidades enquanto profissional ou personalidade feminina.
3- Então, na sua opinião, como a mulher deve exercitar e fazer garantir a autonomia?
Dra. Silvia- Muitas mulheres não compreendem se estão em um lugar em que terão liberdade de agir, autonomia e, se tendo autonomia, esta será efetiva. Porque se ela não tem plena autonomia, se ela não tem efetivas condições de implementar projetos, com certeza ela está num lugar onde a sua atuação não corresponde ao seu legítimo interesse. Se essa mulher ocupa um espaço que não lhe inspira e lhe move, mas apenas para representar alguém, ela pode estar sendo desestimulada sem perceber. Essa mulher pode ainda criar um sentimento de “gratidão” por quem lhe abriu um espaço, imaginando que esse cargo, esse posto, esse lugar, essa vaga lhe foi dada, lhe foi consentida, lhe foi apenas concedida sem que a própria possa reconhecer o seu papel aquela estrutura. Isso é muito perigoso porque essa mulher vai acabar, em nome desse sentimento de gratidão, repetindo e praticando o que não decorre de suas ideias e o que está distante de suas legítimas realizações. Com o tempo, essa mulher vai acabar fazendo o que eles querem que ela faça, sem sequer se dar conta. Para ocupar um espaço com autonomia é preciso pensar se naquele lugr as ações dessa mulher serão de sua legítima iniciativa e interesse ou ela está, apenas, replicando as ações do outro. E, neste caso, mesmo que haja um resultado positivo de suas práticas, corre-se o risco dos louros, os créditos da conquista serem direcionados aquele que a colocou lá. Isso, na verdade, é o que a gente mais percebe na atualidade. Ou seja, já é um avanço chegar a uma paridade quantitativa, mas ainda assim ela ainda não está sendo utilizada da forma adequada. Nós estamos caminhando para que se reconheça isso como algo inerente ao que a mulher mostra na trajetória dela. Então a gente tem que primeiro abrir os olhos para enxergar essas mulheres, colocá-las nos lugares afins, para que elas tenham condições de implementar ações, ideologias, projetos, que ela já vem implementando de forma autônoma, de forma independente, e incentivá-las a atuar com autonomia, com independência. É isso é o que está faltando.
4- Você é atuante na causa da mulher advogada, inclusive concorre nas eleições do sindicato. Está faltando mais participação efetiva da mulher nas questões de classe?
Dra. Silvia – Minha bandeira é a paridade, mas uma paridade qualitativa. Quero que a mulher esteja em locais onde ela tenha plena independência e liberdade de agir, que produza o que lhe agrega, o que lhe move e o que lhe traduz. Se você me perguntar, se eu prefiro que haja uma composição indiscriminada de metade de mulheres por si só? Responderei que não. Eu quero que no local onde a mulher estiver, essa mulher esteja imbuída do espírito de realizar, ela tenha autonomia e independência para desenvolver suas ideias e realizar tudo a que se propõe.
Nós viemos de um tempo em que os pensamentos, ideias, propostas de mulheres, muitas vezes, não eram estimuladas e essas mulheres acabavam não exteriorizando suas impressões, opiniões, deixando de se posicionar e de defender seus pontos de vista.
Vamos dar poder as mulheres, sobretudo aquelas que em suas frações de espaço já imprimem uma diferença. E que estas mulheres queiram estar ali por escolha própria, queiram se doar no exercício dessa autoridade e propagar suas habilidades e talentos porque querem realizar, ter poder de agir e de falar, poder de levar adiante as suas ideias. Isso é mais importante e é isso que eu chamo de paridade qualitativa.